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19 setembro 2006

Dubai

O pesadelo de Osama
Las Vegas no deserto Arábico

Ullrich Fichtner em Dubai

Dubai vendeu sua alma à globalização como poucas outras cidades. Uma terra da fantasia capitalista reluzente se formou no coração do mundo árabe. É um centro de comércio internacional, um paraíso de férias e um carnaval combinados.

Muito acima do golfo Pérsico, no Vu's Bar no 51º andar do Emirate Towers Hotel, em Dubai, uma mulher que diz se chamar Nikita bebe coquetéis "mai tai" cor-de-rosa como se fosse água da torneira. Ela fuma cigarros Cartier perolados. Está de mau humor, irritada - uma prostituta magra do Cazaquistão no coração do estrito mundo islâmico. "Se não me querem, desapareçam", ela diz. "Vocês atrapalham os negócios, aqui na minha pequena ratoeira."

Homens ocupam as mesas - moradores locais e viajantes do Kuwait e da Arábia Saudita em férias. Usam túnicas "dishdasha" brancas como a neve e suas cabeças são envoltas pelo tradicional "kaffiyeh". São homens que bancam a autoridade moral para suas famílias e saem tarde da noite para beber Johnny Walker Gold Label. Eles bebem o pecado com gosto, segurando charutos cubanos. O desejo por uma mulher como Nikita brilha em seus olhos. Seu corpo está disponível por US$ 300. "Três, zero, zero", ela diz, bêbada. "Estou triste, estou esquisita, me compre outro mai tai." Atrás de sua silhueta esguia e muitos metros abaixo está a cidade, envolta em sua névoa noturna. Pode-se ver a fila de arranha-céus na Avenida Sheikh Zayed. Mais atrás e perto do mar fica o bairro de Jumeirah, uma larga faixa de mansões, um tabuleiro de xadrez piscando. Visto deste bar de hotel a 300 metros acima do solo, é uma paisagem tranqüila e festiva, uma imagem perfeita para revistas de turismo. Mas esta é apenas uma pequena parte da cidade.

Como tantas imagens de Dubai, é ilusória. Essas imagens fazem tudo parecer reluzente, mas a cidade não é tanto uma grande festa, e sim um lugar que passa por profundas transformações, cheio de contradições. Dubai é como um saco de peças de quebra-cabeça, e ninguém sabe qual a imagem que ele formará quando pronto. É domingo, e a semana de trabalho no mundo islâmico está começando. A temperatura chega a quase 50 graus, uma névoa de água do mar se forma ao longo da costa. Olaf Fey, um alemão da Bavária barrigudo e de bigode, pára sua Mercedes cor de cereja com bancos de couro creme. Ele oferece um passeio pela sua Dubai - por uma taxa. Fey trabalhou como policial em Munique durante 20 anos. No final da carreira, era chefe de uma unidade de cães. Quando seu cachorro morreu, e pouco depois sua companheira, ele decidiu que era hora de começar vida nova - longe dos longos invernos alemães e de seu ambiente tristonho. Ele se demitiu do cargo, abandonando os benefícios da carreira pública, incluindo a aposentadoria. Isso foi quatro ou cinco anos atrás. Na época todos disseram que estava louco, mas hoje ele tem 43 anos e se orgulha de ter-se reinventado aqui no deserto.

Fey vende excursões e informação, dizendo-se diretor do Travel Service Dubai, uma empresa de um homem só que consiste em uma dúzia de links na web para mil páginas de informação sobre Dubai, que sempre têm um atalho direto para o serviço de reservas de Fey. Ele descobriu depressa que "havia alguma coisa acontecendo em Dubai". Diz que originalmente era "especialista" em Quênia, mas afinal Dubai foi um lugar melhor. "Faz sol 365 dias por ano. Você não precisa de visto nem de vacinas. Tem hotéis da melhor qualidade, vôos da melhor qualidade. Pode fazer compras. Tudo é limpo e seguro. É isso", diz. Seu celular está sempre tocando. Fey resmunga alguma coisa nele, em inglês ou alemão. Às vezes passa o telefone sem falar para sua secretária, Lilly, sentada no banco traseiro. É uma jovem chinesa que o segue por toda parte como uma sombra e raramente diz uma palavra. Fey conhece bem Dubai, especialmente as partes da cidade que os turistas gostam de visitar. Tem conexões com gerentes de hotéis e restaurantes em todo o emirado. Faça um passeio com ele e você conhecerá holandeses, paquistaneses, alemães, sauditas. Eles acenam assim que vêem Fey chegar. Ele montou uma pequena rede de amigos de negócios aqui no deserto. "Então, o que queremos fazer?", ele pergunta durante o almoço no bistrô do hotel Royal Meridian. "O de sempre? Tudo é lindo em Dubai? Simplesmente maravilhoso? Ou queremos contar às pessoas como as coisas são realmente aqui?" Prédios que sobem e caem Nem mesmo Fey sabe exatamente "como são as coisas". Ele menciona os aumentos de aluguéis, de até 40% ao ano, e o rápido crescimento do custo de vida, o preço da água e da eletricidade, o problema dos novos prédios que desabam.

Essa visão de Dubai reflete a experiência cotidiana de uma classe média internacional mista. A vida é dura para os membros dessa classe média, na opinião de Fey: é uma vida de muito trabalho, e não o sonho ensolarado, livre de impostos, que as pessoas do mundo inteiro associam a Dubai - que na verdade é muitas cidades. A terra de fantasia reluzente dos folhetos de turismo é uma delas, uma bela ilusão de óptica arranjada pelos publicitários do mundo. Quem acreditar nela deve pensar em Dubai como um conto de fadas, um lugar de magia árabe, um oásis de camelos, xeques e muitos hotéis de luxo onde todos os dias há um torneio de golfe ou uma corrida de cavalos elegante. Mas hoje em dia Dubai é principalmente uma cidade barulhenta, dura, malcuidada - um dos maiores canteiros de obras do mundo. Há construções em toda a faixa litorânea urbanizada, e podem-se ouvir os bate-estacas dos terraços dos hotéis à noite. Dentro de cinco ou seis anos, as obras ininterruptas vão produzir uma metrópole de colcha de retalhos, um lugar com muitos centros, dividido em parques temáticos para viver, trabalhar, fazer compras, sair - uma cidade pós-urbana como nunca existiu. E será uma bagunça arquitetônica: uma mistura estética de Xangai, Las Vegas, Disney World e o sul de Tenerife.

Do lado de fora das vidraças escuras da Mercedes de Olaf Fey, Dubai passa como uma construção interminável. Bem distante da cidade, em Jebel Ali, o terreno está sendo aterrado para a construção do novo aeroporto gigante. Mais perto da cidade podem-se ver os contornos do que será a Marina de Dubai. Hoje é uma floresta de prédios inacabados. Em três anos será uma cidade à parte, com 124 torres de apartamentos e espaço para 150 mil pessoas. Mais perto do centro, é uma obra depois da outra. Nosso percurso passa diante de projetos gigantescos no mar, com nomes como "A Palmeira" e "O Mundo", ilhas artificiais para europeus que se cansaram da civilização. Ele continua por novos bairros empresariais como "Aldeia do Conhecimento" e "Cidade da Mídia". Perto do centro da cidade há um grupo de arranha-céus em construção com nomes como "Baía dos Negócios", "Cidade Velha", "Vivendo em Dubai" e "Cidade da Festa". No meio de um campo de areia cinzenta cheio de guindastes estão as bases do que será o edifício mais alto do mundo, o Burj Dubai. Daqui a dois ou três anos ele terá de 180 a 200 andares, com 800 metros - mais que o dobro da altura do Empire State Building.

Metrópole superlativa Os recordes mundiais são uma consideração importante nos projetos urbanos de Dubai. Dirigido pela cidade, Fey aponta à direita e à esquerda e diz uma série de superlativos: o prédio mais alto, o maior shopping center, o maior aeroporto e o maior parque de diversões, com a Torre Eiffel mais alta do mundo, um pouco maior que a original em Paris. E o grande porto em Jebel Ali? "Ah", diz Fey. Ele não tem contatos lá. "Não é muito interessante." Mas a resposta de Fey está muito distante da verdade. Jebel Ali é o maior porto marítimo já construído. Os guindastes, os navios, os molhes - tudo é enorme. Num passeio por ele nos sentimos no cenário de uma superprodução de ficção-científica. A visão do alto de um dos guindastes gigantescos também é notável: milhões de contêineres se estendem até onde a vista alcança, em dez ou 12 fileiras largas como rodovias, coloridos como a economia mundial. Essa visão panorâmica é algo que diz: a história está sendo escrita aqui; é aqui que as velhas certezas se desfazem. O porto de Dubai demole a idéia de que a América, a Europa ou a China são as sociedades mais modernas de hoje. Ele faz prever um século 21 totalmente diferente - e um mundo árabe totalmente diferente do que o Ocidente pensa conhecer. O porto conta a história mágica da ascensão de Dubai à glória: 20 anos atrás, quatro companhias operavam alguns guindastes de carga nessa zona de livre comércio. Hoje 3.600 empresas de cem países estão presentes aqui, e novas empresas chegam todos os dias. Um nódulo do comércio mundial se formou em um período de tempo extremamente curto, ligando a Índia e a África, a China e a Europa. É como se o mundo estivesse esperando por esse ponto de transferência. A construção do porto se deveu à ousadia da família reinante de Dubai, os Maktum. No início das obras, nos anos 70, eles tinham duas coisas: dinheiro da venda de petróleo e sua antiga tradição de mercadores - não muito mais que isso. O que acrescentaram foi o plano audacioso de transformar um trecho desolado do deserto em uma zona fervilhante de livre comércio e um "playground" turístico. Desde então, manipulam o capitalismo como um jogo de blocos. Construíram o novo país montando elementos pré-fabricados: portos, aeroportos, companhias aéreas, ruas, hotéis, shopping centers.

O mais famoso de seus projetos mamutes tornou-se a marca registrada de Dubai. O Burj el Arab é o hotel mais alto do mundo, em forma de vela de barco e situado numa plataforma sobre o mar. É um estabelecimento sete-estrelas, e talvez o hotel mais famoso do mundo. Olaf Fey dirige até lá em sua Mercedes. Conhece o pessoal no portão. A área é cercada por guardas, espelhos e valas de segurança, como se estivesse havendo ali uma reunião do Banco Mundial. Dois grandes Rolls Royce brancos estão estacionados no alto da entrada. "Divirta-se. Vejo-o mais tarde", diz Fey ao chegarmos à entrada. Ele fala como se fosse o diretor do hotel. No saguão altíssimo, líderes de clãs árabes passam cercados por uma nuvem escura de mulheres com véus. Duas empregadas e um camareiro me levam até meu quarto. Uma delas é da Bavária. "Estamos em toda parte", ela diz e ri como se fosse uma piada suja. O camareiro é filipino e usa casaca. Chama-se Filibert. Pergunto se gosta de Dubai e ele diz: "Mas é claro, senhor. Por aqui, por favor. O senhor está no quarto 510". Uma noite aqui custa mais de US$ 1 mil, e por eles você recebe 180 metros quadrados de espaço e uma sala de recepção privada. O forro fica a quase 6 metros de altura e tem um candelabro enorme que parece tirado de um castelo feudal. Embaixo dele, uma escada curva sobe para os quartos suntuosos com espelhos sobre as camas e banheiros cor de marfim com hidromassagem. Há sofás luxuosos em toda parte - alguns de oito lugares, outros de dez. São cobertos por fileiras de almofadas de seda e damasco. Times de futebol inteiros poderiam ficar ali - o bar do hotel também seria grande o suficiente para eles. Há cozinhas e salas de jantar, e o maior televisor, na sala de estar, foi emoldurado em ouro como um quadro de Rembrandt. O Burj el Arab é uma tentativa de exibir a boa vida, mas a maior parte dele é um bom exemplo da natureza ilusória do mundo da fantasia de Dubai. O prédio não foi construído principalmente para ser um hotel de luxo. Estava em jogo a nova imagem de Dubai como porta para o futuro. Especialistas calcularam que mesmo que o hotel esteja constantemente lotado o investimento levará 50 anos para ser amortizado. Mas esses cálculos revelam uma falta de imaginação. O que o hotel já conseguiu foi colocar o país no mapa do turismo internacional, fazê-lo aparecer nos planos estratégicos do capitalismo. A construção do hotel fez de Dubai um concorrente visível na grande corrida que é a economia mundial. Esse objetivo particular foi atingido esplendidamente.

Há anos a economia de Dubai cresce 10% ao ano. Há muito tempo superou sua dependência do petróleo. Em 1985, o petróleo ainda respondia por quase 50% do Produto Interno Bruto do país. Em 2004 o número diminuiu para cerca de 6%. A família Maktum espera que cerca de 20 milhões de turistas visitem Dubai todos os anos. Ela quer transformar o emirado, hoje habitado por menos de 2 milhões de pessoas, em um país de 10 milhões. A família está recrutando potenciais cidadãos em todo o mundo. Dubai é a primeira cidade que leva a sério a globalização. Os mercenários do capitalismo foram atraídos pelo fato de que aqui não se cobram impostos sobre a renda ou os lucros. Os estrangeiros formam mais de 85% da população, de 150 nacionalidades diferentes. São empresários e aventureiros - e as dezenas de milhares de trabalhadores que estão levantando os prédios do futuro no calor escorchante: um novo proletariado multinacional do Sri Lanka, Índia, Paquistão, Síria e Iraque. Eles têm de viver em barracos em bairros segregados fora da cidade, desprovidos de qualquer tipo de direito. Os clãs familiares locais, por outro lado, residem em palácios cujos portais apresentam cavalos dourados em tamanho natural. Suas garagens subterrâneas têm um ou dois Mercedes por membro da família, além de alguns Porsche SUV para um passeio ocasional. Esse mundo e as pessoas que vivem nele não são uma caricatura. Realmente existem. Às vezes você pode vê-las sentadas no saguão das Emirates Towers, ou dos hotéis Fairmont ou Park Hyatt - magnatas incrivelmente ricos com dezenas de tios, cunhados e primos. Essas famílias são como pequenos Estados, que consultam o dentista na Alemanha, vão a Paris para jantar e gastam dezenas de milhares de dólares só para passar um fim de semana no elegante "resort" Al Maha, no deserto fora de Dubai, onde podem relaxar na companhia de George Clooney, Penélope Cruz ou Michael Schumacher. Os que querem conhecê-los precisam de melhores contatos que o empreendedor Olaf Fey jamais terá.

É preciso conhecer as pessoas, cultivar amizades, viajar muito - ou ter muita sorte para ser "apresentado" por outra pessoa, no verdadeiro estilo árabe, mas mesmo então as conversas geralmente não fluem. A pergunta proibida Mohammed e Kassim estão sentados em uma mesa no 44º andar da Grosvenor House, cujo bar elegante está cheio de pessoas conversando sobre negócios e bebendo vinho a US$ 300 a garrafa. Os dois homens, ambos de 58 anos, são amigos da vida toda. Eles não querem que seus nomes completos sejam divulgados. Juntos, têm mais dinheiro que muitas cidades alemãs. Eles o ganharam com projetos de construção e investindo no setor editorial e em fábricas. Envolveram-se nos setores de gado e leite e na indústria de petróleo. Mohammed e Kassim acabam de voltar de uma viagem de negócios aos EUA. Passaram algum tempo em Boston, Las Vegas, San Francisco e Nova York, explorando o país, viajando de primeira classe e ficando em hotéis de primeira classe. Eles pararam em suas casas em Londres e na Espanha na viagem de volta. Estão de bom humor. Bebem Cabernet Sauvignon da Califórnia. Conversam sobre sua infância. Mohammed é um homem baixo com uma barba grossa e óculos prateados. Kassim é robusto, com um rosto parecido com o de Anthony Quinn. Eles conversam sobre a época em que Dubai era uma aldeia sem água doce e que tinham de tomar banho no mar, brincavam com pedras e camelos quando eram pequenos. Na época, o mundo além do deserto e do mar era algo que só conheciam por fotos desbotadas. Eles falam sobre como o sucesso econômico realmente começou dez anos atrás e transformou tudo o mais. Sim, eles dizem, é realmente incrível. "Nove mil trabalhadores são empregados só para construir um metrô", diz Kassim. "Isso é ótimo", diz Mohammed. Durante algum tempo ele jantava com os governantes de Dubai toda quinta-feira. É um homem poderoso e influente com posição social considerável, mas também uma pessoa modesta e encantadora, conversa em inglês sem dificuldade. Em seus tradicionais túnica branca e turbante, parece um diretor de Londres ou Boston que vai a uma festa à fantasia. Mas a impressão é ilusória. Mesmo depois de duas garrafas de vinho, muitos risos e sondagens da personalidade do interlocutor, é preciso coragem para fazer as perguntas realmente difíceis. Ninguém está preocupado com a tradição aqui? Ou com o islã? Mohammed evita meu olhar. A expressão em seu rosto indica que a pergunta é inadequada. Ele diz: "Talvez haja alguns céticos na Arábia Saudita e no Qatar, mas o desenvolvimento geral é positivo". E não há críticas dentro da própria Dubai? Não há algum problema relacionado ao grande número de estrangeiros? Mohammed e Kassim não desviam o olhar, mas sua linguagem corporal torna-se mais defensiva. Eles olham para a mulher que organizou a reunião e me apresentou como amigo. "Nós gostamos de estrangeiros. Eles fazem bons negócios. Todos lucramos. Está tudo bem." E se aparecessem alguns jovens revoltados, com intenções nada benevolentes? Os dois olham para seus copos e não dizem nada. Não gostam da pergunta, nem um pouco. É a pergunta proibida aqui em Dubai. É tabu - uma pergunta inadequada para o visitante fazer. Eles não respondem. Olham para o lado. Terrorismo sem nome

Mais uma vez: e se houvesse um ataque terrorista? "Bem, se houvesse um ataque terrorista!...", exclama Kassim. "E daí? Nada! Não temos medo. Os países estrangeiros estão sempre com medo. Se existe o terror, é isso. Mas esse desenvolvimento não pode ser revertido. Esse desenvolvimento é uma coisa boa." Mohamed diz: "Vamos jantar, está na hora". Eles vão comer filés enormes no mezanino e beber vinho tinto Brunello, mas não vão desfrutar. Dubai é a cidade mais contraditória do mundo. É uma imagem de opostos malucos e ao mesmo tempo um lugar que as leis do islã exigiriam que fosse proscrito. É o pesadelo de Osama bin Laden. Garotas cobertas por véus da cabeça aos pés examinam lingerie italiana nos shopping centers. Os supermercados têm açougueiros que vendem carne de porco, mas são separados como a seção de pornografia numa locadora de vídeos.

A cidade santa de Meca não fica longe, mas aqui você pode conseguir bebida alcoólica e prostitutas em toda parte, e o Natal já é celebrado de maneira mais extravagante do que o fim do Ramadã. Os princípios políticos básicos também são confusos. Quando a guerra contra os taliban começou no Afeganistão, os governantes de Dubai eram aliados dos taliban. Mas os Emirados Árabes Unidos apoiaram os EUA na guerra contra o Iraque. Você pode ver navios de guerra americanos no porto, e há centenas de assessores militares ocidentais na corte real.

Se aceitarmos os lugares-comuns do debate sobre culturas mundiais, Dubai é uma cidade impossível. De um lado é mais cosmopolita que a Alemanha do leste e o sul da Itália, mais tolerante que a Polônia ou a Louisiana, e os consumidores gastam mais aqui do que em Munique ou Madri. Mas por outro lado é uma ditadura, quase um Estado vilão, um regime no deserto sem Parlamento ou oposição política, sem sindicatos, partidos políticos ou associações. Todos os livros e jornais são submetidos à censura. A lei xariá é observada, incluindo o castigo corporal, e todos os judeus são estritamente proibidos de entrar no país. Uma cidade impossível.

Talvez por isso também seja um modelo, um laboratório para a coexistência descontraída entre Oriente e Ocidente, um lugar onde pessoas do mundo inteiro podem se encontrar. Não é um cadinho cultural, mas um lugar onde pessoas diferentes conseguem viver lado a lado, como vizinhos em um enorme arranha-céu. Isso pode funcionar, mesmo em longo prazo - talvez. Mas também é possível que tudo dê errado. Já houve rebeliões dos operários da construção por causa de comida, com demonstrações no centro da cidade. Talvez o único motivo pelo qual a cidade não tenha sofrido um ataque terrorista é que por enquanto a metade das escavadeiras, dos guindastes de construção e das betoneiras pertence ao Grupo Bin Laden, a maior empresa de construção do mundo árabe. Talvez até a Al Qaeda precise que Dubai lave seu dinheiro para futuras operações - quem sabe? É um jogo de adivinhação. Dubai é ao mesmo tempo surpreendente e desconcertante.

Antes de partir, faço um passeio aos "suks", os bazares ao longo do Creek, o corpo de água que separa a parte antiga da cidade do mar. Fey e Lilly vão comigo. Por apenas alguns centavos pode-se passear sobre a água de barco e desfrutar a brisa quente. É só aqui perto do Creek que Dubai parece uma cidade comum, um lugar antiquado - espalhado, superlotado, com becos e prédios antigos, o palácio do governo, fortalezas antigas e mesquitas imponentes. Os indianos e os paquistaneses vivem aqui. Seu bairro é tão agitado quanto Calcutá. É uma experiência agradável passear aqui, fora do parque temático, longe dos shopping centers, do lugar onde as pessoas esquiam em montanhas artificiais, onde brincam de estar em Veneza ou na Andaluzia. A vida aqui não foi minuciosamente organizada; tudo é confuso. "Não se afaste muito", diz Fey. "É fácil se perder aqui." Essa é quase toda a verdade sobre Dubai, em uma frase.

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